sexta-feira, 14 de outubro de 2011

COISÁRIO III

O meu quarto
Esqueci-me de contar. Estou no meu quarto a escrever o que se passa na minha cabeça. O meu quarto às vezes é tão desarrumado como as minhas ideias. Mas às vezes a minha mãe manda-me arrumar tudo. E eu arrumo. E aí volto a conseguir ver as paredes brancas como as folhas do meu caderno. Ainda nunca me mandaram arrumar a cabeça. Eu se calhar arrumava. Mas o pior é que depois podia não encontrar os meus pensamentos fechados em caixas, gavetas e armários que tinha de pôr dentro da minha cabeça. Pelo menos é o que me acontece no meu quarto. Nunca sei onde arrumei os jogos, os patins nem o skate. E são coisas maiores do que as ideias. Ou talvez não. Mas pelo menos fazem mais barulho quando se tropeça nelas. Pensando melhor, se calhar estou a arrumar tudo aqui no caderno. Mesmo sem ser por ordem alfabética, acho que é pela ordem que me vou lembrando, ou talvez do que está mais perto de mim para o que está mais longe. E assim começo a ter as minhas coisas arrumadas. Só espero não perder o caderno no meio da confusão do meu quarto nem noutro sítio qualquer em minha casa.


A minha casa
O meu quarto é grande e só para mim. O meu irmão tem outro. Apesar disso os meus pais estão sempre a dizer que passamos o tempo a tropeçar uns nos outros, que a casa é pequena para nós os quatro. Mas eu acho que é boa. Tem jardim e tudo. Acho que é aqui que começa o meu mundo. Como nas viagens. É daqui que parto para descobrir outros mundos que depois passam também a ser meus. Menos o jardim dos vizinhos que os meus pais me obrigam a devolver quase todos os dias - apesar de eu ter conquistado o espaço, construído um castelo, transformado a piscina num fosso e derrotado todos os inimigos (dois cães que são maiores do que parecem) com uma só arma (uma fatia de presunto).
Mas acho que é por vivermos numa casa pequena que somos tão unidos. Estamos sempre juntos e sentimos muito  a falta uns dos outros quando nos separamos entre o andar de cima e o de baixo. Por isso o jantar é o nosso melhor momento do dia apesar de já acontecer à noite. Principalmente no Verão que jantamos cá fora numa mesa de madeira mesmo por baixo do limoeiro que tem preguiça de dar limões e escolheu uma tarefa mais leve: fez um pacto com a Primavera e então só dá flores, o ano inteiro.


A minha família
No jardim não temos piscina. Eu acho que cabe, os meus pais dizem que não por causa das raízes do limoeiro e o meu irmão tem 1 ano portanto ainda não diz nada. Mas mesmo sem piscina estamos sempre frescos. É o que diz a minha avó que não vive connosco mas que nos visita todos os domingos à hora de almoço:
- Estão com um ar muito fresco.
Nunca percebi bem o que ela quer dizer. Provavelmente que a ventoinha que temos no tecto da sala e a sombra do limoeiro chegam e a piscina não faz falta. Ou então que temos sempre vento dentro de nós a soprar o calor para fora e a trazer as ideias para dentro que voltam a sair para fora de cada vez que conversamos ou que olhamos mesmo nos olhos uns dos outros. Acho que é isto. Eu e a minha família temos vento no coração. Obrigada avó.

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