terça-feira, 11 de outubro de 2011

COISÁRIO I


Sempre que o sol sai o meu pai entra em casa com a lua. Mas a minha mãe diz que não tem ciúmes, acha que é uma paixão que vive ao longe e que todos os homens passam por isso mas poucos são os que partem para lá numa nave espacial. E mesmo quando conseguem lá chegar ela manda-os sempre embora. Deve gostar de estar sozinha, a flutuar no meio das estrelas para pensar, sossegada, no escuro. Fica lá em cima pasmada a olhar cá para baixo. Enquanto isso o meu pai poisa a pasta em cima da cadeira logo ao lado da porta. Dá um beijo à minha mãe que acabou de pôr baton para recebê-lo (não sei bem se a ele ou ao beijo). Abraça o meu irmão mais novo que corre para ele com mais certeza na cabeça do que nos passos. E dá-me uma palmada nas costas (dantes era uma festinha mas agora que já tenho 9 anos acho que é uma palmada, coisas de homens que me fazem parecer tão adulto que quase sinto o meu bigode a crescer) e pergunta-me:
- Como vão as coisas?
- As minhas coisas?
Pergunto sempre.
-       As tuas e as do mundo. Não são as mesmas?
Responde sempre o meu pai.
Todos os dias é a mesma conversa. Todos os dias eu fico sem resposta a pensar nisto mas hoje foi diferente. Ou melhor, está a ser diferente. Decidi escrever tudo aquilo em que comecei a pensar depois do meu pai ter dito o que diz sempre:
- As tuas e as do mundo. Não são as mesmas?
E é isso que estou a fazer. Aqui e agora. Desculpem se ficar confuso. Mas as minhas ideias desarrumam-se e as palavras correm mais depressa do que a minha caneta. Já tentei com o meu lápis e acontece exactamente a mesma coisa. Acho que já comecei a escrever sobre as minhas coisas. Ou serão as coisas do mundo? Não sei bem. Se calhar é melhor ir pensando uma a uma.

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