quarta-feira, 12 de outubro de 2011

COISÁRIO II

O meu caderno
É aqui que estou a escrever. Tem uma capa azul, folhas lisas, brancas, e uma fita vermelha para marcar a página onde estou. Para não me perder no meio das minhas ideias. Ainda cheira a novo. Foi o meu pai que me deu este caderno para eu guardar e usar só quando tivesse mesmo alguma coisa importante para dizer. Não sei bem se é agora mas achei e acho que devo arriscar.
Tantas folhas brancas começam a assustar-me. Se eu desenhar só um pontinho numa folha, assim  








              
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e deixar tudo o resto em branco, é como se o pontinho fosse eu e o caderno o resto do mundo. Assim parece-me que as minhas coisas são pequenas e que o resto do mundo é grande. Mas agora, depois de continuar a escrever, percebo que afinal as minhas coisas e o meu mundo crescem a cada palavra, enquanto o tal de mundo de toda a gente é sempre do mesmo tamanho. Pelo menos visto ao longe. Apesar disto tenho a certeza que as minhas coisas nunca vão ser do tamanho do mundo, porque mesmo que eu encha este caderno de palavras e textos existirão sempre outros cadernos vazios. E depois desses outros. E ainda mais alguns. À espera de mais palavras e mais textos. Porquê? Porque as coisas são infinitas e o mundo também. Ou pelo menos as oportunidades que nos dá. A minha mãe sempre me disse:
- O mundo só é pequeno para quem tem ideias com perna curta.
Se eu tenho pernas compridas acho que as minhas ideias também devem ter. Acho que o que a minha mãe queria dizer é que se andarmos sempre a pensar e a imaginar vamos sempre descobrir coisas novas e que apesar de o mundo não esticar estica o conhecimento e a ideia que temos dele. Quem não inventa nem procura tem pé chato na cabeça e prefere ficar parado, julgando que o mundo é chato. Eu prefiro acreditar que existem sempre coisas mais importantes para encontrar e assim parto todos os dias para novas aventuras com os olhos bem abertos para escrever mais uma página do mundo que agora seguro nas mãos e parece mesmo um caderno. O meu caderno.


As minhas mãos
Quando uma mão escreve a outra segura no caderno para ter a certeza que a caneta não me escapa e risca a mesa branca. A minha mão também tem linhas, como o caderno mas nunca escrevi lá nada.
Uma vez uma senhora velhinha, sentada no degrau da fonte ao lado do mercado, leu a minha mão. Pelo menos foi o que ela disse. Porque eu encontrei as linhas mas nunca encontrei lá as letras. Ela disse que eu ia descobrir o mundo. O meu e o de todos. Não acreditei e durante uns minutos ainda achei que era o meu pai disfarçado de velhinha. Com um vestido castanho muito comprido e uma mantinha aos ombros, apesar do calor. Mas o meu pai não tem bigode e o dela parecia mesmo verdadeiro. Quando vinha para casa, carregado com a fruta que a minha mãe pediu para ir buscar, passei na mercearia para comprar doces e perguntei ao Sr. Juliano
- O que é que lê nas minhas mãos? E que tipo de letras são estas que eu não aprendo na escola? Vou descobrir o mundo?
- Encontraste a velhinha da fonte do mercado? Ela diz isso a toda a gente. Ela só quer dizer que podes fazer o que quiseres com as tuas mãos. No fundo, és tu que constróis o teu futuro.
Até me esqueci do chocolate que tinha ido comprar e vim-me logo embora, a correr para casa, para começar a construir o meu futuro. Seria em papel? Não, era fácil de ser destruído pelo vento e pela água. Talvez em ferro mas aí seria muito pesado e difícil de transportar e eu não sei se quero que o meu futuro aconteça sempre no mesmo sítio. Em madeira era bom, seria um futuro bonito, um futuro feito de caravelas mas sempre ameaçado pelo fogo. Hoje, e depois de muito pensar, descobri que vou construir o meu futuro com barro. Assim posso ir mudando sempre. E moldo-o com as minhas mãos. Se tiver a certeza, ponho no forno e fica sólido para sempre. Se não tiver a certeza vou mudando a forma com as mãos. Um dia transformo-o um avião, no outro num pássaro, no outro  numa casa... o importante é que saia das minhas mãos e entre na minha vida. Também é importante que caiba no meu quarto porque a minha mãe não gosta que eu espalhe coisas pela casa. Acho que nem mesmo bocadinhos de futuro.

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