terça-feira, 3 de maio de 2011

PÃOBALALÃO II

Dentro do carro estavam as suas Migalhas e o Pão de Leite! As Migalhas eram duas gémeas de 3 anos, pequeninas e envergonhadas, que faziam sons (música?) que se espalhavam pelo ar e eram impossíveis de apanhar ou varrer; o Pão de Leite tinha só uns meses e agarrava o biberon como os velhos agarram a bengala e como os jovens agarram um coração que não é o seu.

- Meus pãezinhos!

Gritou a Côdea, sem sequer dar atenção ao Torrada que nunca tinha visto, num acesso de esbanjamento de palavras que não conseguiu poupar para mais tarde.

- Finalmente conheço-os! De certeza que ainda não são baptizados! Vamos levá-los ao Pão de Deus imediatamente!

Continuou a mãe e avó Côdea. Era a primeira vez que via os netos (e que falava tanto). Nos outros verões a Baguette vinha sempre sozinha e os pãezinhos ficavam com o Torrada porque ainda eram pequenos. Faltava-lhes o fermento do tempo.

A avó Côdea agarrou nos pãezinhos, pô-los num grande cesto e levou-os à Igreja. A missa estava a acabar e encontraram o Papo Seco a descer a escadaria de dois degraus. O Pão Saloio ficou queimado de raiva, quase mais escuro do que o Torrada:o Papo Seco tinha tido uma paixão pela Côdea e, apesar de um casamento bem cozido, o Pão Saloio ainda ardia em ciúmes. 

(Era óbvio para o Papo Seco que o que a Côdea poupava em palavras ele poupava em emoções e seriam quase felizes no silêncio sem sobressaltos. Mas ela tinha ficado perdida de amores pelo míolo genuíno de que o Pão Saloio era feito - porque a Côdea sabia que a verdadeira beleza era a que estava por trás da capa estaladiça de qualquer pão - e assim acabou esta história que nunca começou). 

Romances à parte, o Pão de Deus baptizou os pãezinhos que choraram com a água, que mesmo benta era fria, e tinham medo de se transformarem em açorda. O Pão de Ló, que era tão doce que ajudava sempre na missa e atravessava as ruas com as velhinhas que tinham medo das pedras paradas sempre a pregarem partidas aos passos, agarrou logo nos pãezinhos e começou a cantar

- Pãobalalão,

cabeça de cão,

orelhas de gato

e um grande coração,

vai parar ao meio do chão

E fingiu que os deixava cair. Os pãezinhos pararam de chorar, a família estalou a rir e largou lágrimas de farinha. Partiram para casa e no caminho encontraram o Pão de Forma. Era o habitante mais tradicional e quadrado de toda a aldeia e ficou muito admirado com aquela família.

- São todos uns pães de mistura.

Resmungou ele entre a massa que lhe prendia os poucos dentes que lhe restavam mas os outros pães nem lhe ligaram. Sabiam perfeitamente que ele tinha mau miolo e, naquele momento, sentiam-se a mistura da mais pura felicidade. Depois o Pão de Forma passou pelo Pão de Alho e virou-lhe a cara antes que ele conseguisse dizer

- Olá, como está?

Foi muito mal educado mas é que o hálito do Pão de Alho conseguia ser mesmo assustador, por isso conta-se pela aldeia que nunca teve uma namorada e que só fala com outros pães por cartas ou por telefone.

(continua amanhã)

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